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Tempo, Mulheres e divisão sexual do trabalho                                             

Maria Betânia Ávila


O tempo é um bem escasso na dinâmica da vida social moderna. O que chamamos aqui de tempo é o sistema padronizado de regulação dos períodos de duração de horas, dias e anos etc., que se constitui de fato como uma instituição social. Como nos explica Elias (1998) esse “tempo” do qual falamos e em torno do qual nos organizamos é uma convenção que regula os períodos de duração dos processos.
 
O tempo expropriado

A forma de desenvolvimento capitalista produziu historicamente uma vida cotidiana onde o tempo que conta e que tem valor é aquele empregado na produção, reprodução da vida das pessoas não é levado em conta na distribuição do tempo dentro da relação produção x reprodução. O período dedicado ao descanso, ao lazer, à reposição de energia, de se reconstituir física e mentalmente é aquele que sobra das atividades produtivas. A duração dessa “sobra” é fruto de processos históricos, de transformações nas relações sociais entre capital e trabalho. Não é o mesmo em todo lugar, nem para todos/as trabalhadores/as.

Onde está, portanto, o tempo para os cuidados necessários para manter a vida da coletividade humana, isto é, para o abrigo, a vestimenta, a educação, a saúde e o aconchego? Qual o tempo definido para o cuidado com as pessoas que não têm condições de se auto-cuidar como as crianças, idosos/as e outras pessoas que não têm condições físicas ou mentais para isso? Esse tempo, que não é percebido como parte da organização social do tempo, é retirado da vida das mulheres como parte das atribuições femininas, mulheres que estão no mercado de trabalho, e hoje constituem – no Brasil e em muitos outros países – uma maioria, produzem um tempo para isso tirado daquele que sobra da sua inserção na produção. É aí que se produz a dupla jornada, onde as tarefas da reprodução são entendidas como não portadoras de valor social.

Na prática, sempre houve mulheres que estiveram tanto na esfera da produção como na da reprodução, enquanto os homens, na sua maioria, se mantiveram – se mantêm até hoje – apenas na esfera da produção. Atualmente a inserção das mulheres no mercado de trabalho formal ou informal se expandiu. “Vivencia-se um aumento significativo do trabalho feminino, que atinge mais de 40% da força de trabalho em diversos países avançados e tem sido absorvido pelo capital, preferencialmente no universo do trabalho de tempo parcial, precarizado e desregulamentado” (Antunes, 2000).

Dentro do contexto de reestruturação produtiva há uma flexibilização nas relações de trabalho. Trata-se na verdade de uma precarização das formas de contrato e das condições de trabalho. Nesse contexto, uma das dimensões que se desestrutura é justamente a definição da jornada de trabalho, produzindo-se assim uma certa barbarização no emprego do tempo para a “classe que vive do trabalho” (Antunes, 2000). As jornadas tornam-se irregulares e os períodos de repouso e férias também.

As mulheres formam a categoria preferencial dos empregadores para os contratos de trabalho com o tempo parcial, e para formas de trabalho mais precarizadas, e isso se devem ao fato de que as mulheres ainda são inseridas no mercado de trabalho em condições mais fragilizadas do que os homens. O trabalho com tempo parcial também recorre a uma justificativa conservadora quando em muitos contextos, considera-se que essa forma de contrato traz vantagens para as mulheres em função de suas obrigações com a esfera produtiva.

Como afirma Antunes (2000) “... o capital tem sabido também se apropriar intensificadamente da polivalência e multiatividade do trabalho feminino, da experiência que as mulheres trabalhadoras trazem de suas atividades realizadas na esfera do trabalho reprodutivo, do trabalho doméstico. Enquanto os homens – pelas condições histórico-sociais vigentes, que são, como vimos, uma construção social sexuada – mostram mais dificuldade em adaptar-se às novas dimensões polivalentes, o capital tem se utilizado desse atributo social herdado pelas mulheres”. Esse “atributo herdado” tem sido tão incorporado de tal forma que passa a ser percebido como uma condição natural do feminino o qual está associado à condição de ser das mulheres.

A reestruturação produtiva tem levado, também para o interior do espaço doméstico, as tarefas da produção, que geralmente são destituídas de contrato de trabalho formal e de uma regulação do tempo do trabalho produtivo. Estabelece-se dessa forma um ritmo de trabalho no qual o limite é a capacidade física e a necessidade de produzir a renda, em geral determinada por produtividade. As tarefas reprodutivas vão sendo executadas de forma simultânea dentro do mesmo espaço, criando um ciclo perverso e sem limite de tempo entre as duas formas de trabalho. As mulheres ficam sujeitas à desigualdade da divisão sexual do trabalho, arcando com as consequências perversas das incompatibilidades contidas na organização do tempo social.



O tempo sem valor

O trabalho doméstico, base material de sustentação das necessidades cotidianas, é, no sistema capitalista, inteiramente destituído de valor social. A exploração de gênero e de classe realizada através do trabalho doméstico não tem sido suficientemente levada em consideração nas análises críticas sobre o capitalismo e as desigualdades geradas e reproduzidas neste sistema.

Um trabalho considerado sem valor leva a uma situação onde o tempo empregado na sua realização não é medido nem visibilizado. Para as mulheres a questão do tempo sempre se colocou como algo fora do seu controle. Por tradição, o tempo do trabalho doméstico é elástico, sem limites, sem valor, parte da existência das mulheres. Para as mulheres trabalhadoras as tarefas domésticas se estendem, pelo menos enquanto preocupação, para seu espaço na esfera produtiva. Um trabalho se realiza sem que a preocupação com o outro desapareça. As mulheres ainda liberam o tempo dos homens para dedicação exclusiva às atividades externas ao espaço doméstico. E entre mulheres, são elas que liberam o tempo umas das outras para também se dedicarem às atividades não domésticas.

As mulheres de classe média e alta estão apoiadas no trabalho de outras mulheres – que formam a categoria das empregadas domésticas – para se liberarem no seu cotidiano das tarefas domésticas. Quanto às mulheres pobres que não contam com recursos para contratarem outras mulheres o que se formam são redes de solidariedade comunitária ou familiar nas quais as mulheres trocam entre si o cuidado com as crianças e fazem as outras tarefas domésticas antes e depois da jornada de trabalho remunerado. A cadeia de substituições começa ao amanhecer sem limite de tempo para terminar. No que tange ao tempo da reprodução não houve redistribuição e as mulheres continuam, majoritariamente, respondendo por essa esfera.

O desenvolvimento tecnológico também está voltado para uma maior eficácia no uso do tempo empregado para as atividades domésticas. Há uma produção de modelo de vida cotidiana para as mulheres onde o trânsito entre a inserção no mercado de trabalho e os afazeres domésticos são beneficiados pelas tecnologias de uso doméstico. É comum as propagandas nos meios de comunicação anunciarem os aparelhos eletrodomésticos dando-lhes várias utilidades inclusive a de “liberar tempo” para viver a dupla jornada e ainda conviver com a “família” o discurso do mercado visa dessa forma legitimar a exploração contida na dupla jornada.



Sugestão de atividades:

- Pesquisar quais são as profissões das mulheres e dos homens e promover um debate sobre os papeis dos mesmos dentro de uma visão crítica;

- Debater em sala de aula: quem realiza o trabalho doméstico em sua casa?

- Debater com a sua comunidade as conseqüências da flexibilização dos direitos trabalhistas para as mulheres trabalhadoras;

- Debater na comunidade sobre a importância da licença maternidade e paternidade para os filhos, mães, pais e a família.

Sugestão de trabalho para as escolas.

Fonte: Revista Mátria – Publicação da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação – CNTE (8 de março de 2003).

Coletivo Anti – Racismo

Professora Almerinda Cunha
Postado: 10/04/2012

                                                      


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